Eu Li: Na corda bamba - Kiley Reid

Título:
Na corda bamba
Autora:
Kiley Reid
Editora:
Arqueiro
Ano:
2020



Certa noite, num supermercado de um bairro rico, Emira Tucker, uma jovem negra que trabalha como babá, é abordada por um segurança que a acusa de ter sequestrado Briar, a garotinha branca que está com ela. Uma pequena multidão se reúne, alguém faz um vídeo da situação e a comoção só termina quando o pai da criança aparece. Alix, a mãe de Briar, fica chocada com o ocorrido. Bem-sucedida e dona de uma marca envolvida na luta pelo empoderamento feminino, ela decide que Emira merece justiça e resolve fazer de tudo para que isso aconteça.
A própria Emira, porém, só quer deixar a história para trás. Aos 25 anos, trabalhando sem carteira assinada e prestes a perder o seguro-saúde, ela está às voltas com os desafios da vida adulta e a última coisa que quer é ser exposta pela divulgação dessas imagens.
Mas, quando uma parte do passado de Alix vem à tona, ela e Emira são confrontadas com verdades que podem mudar para sempre o que elas pensam uma sobre a outra e sobre si mesmas.
Um romance essencial para os tempos atuais, Na corda bamba fala sobre como o racismo e o privilégio afetam as relações interpessoais no dia a dia. Com uma narrativa vibrante e provocativa, é também uma reflexão sobre como a necessidade de “fazer a coisa certa” pode nos colocar, às vezes irreversivelmente, no caminho errado.


Olá, leitores!
É interessante ver como movimentos positivos em prol de representatividade dão bons frutos. Atualmente, diversas editoras tem apostado em livros de pessoas negras ou não-brancas em seus catálogos e, além de trazer a diversidade que tanto queremos no mercado editorial, essas ações são importantes para dar amplitude à vozes das pessoas de grupos socialmente ignorados e marginalizados. Agora, cabe à nós, leitores, consumirmos esses produtos, ler essas obras e falarmos sobre esses livros.
"Na corda bamba" foi um dos lançamentos da editora Arqueiro do finalzinho de outubro e hoje irei apresentar essa história que tem nuances interessantíssimos e é bastante realista. 

Emira é uma mulher na casa dos 20 anos que compõe aquela geração de jovens que ainda não definiram o querem para o futuro. Seus pais sempre a apoiaram e querem que ela seja feliz na carreira que escolher, mas Emira ainda não decidiu seu destino; afinal, ela ainda tem 20 poucos anos. 
E na verdade, ela está mais preocupada mesmo é com o presente. 
Emira está prestes a sair da cobertura do plano de saúde de seus pais (e EUA não tem SUS, querides), precisa pagar o aluguel e as contas, além de viver a sua vida, como qualquer pobre mortal. Sendo assim, ela divide a sua rotina ao trabalhar em dois lugares, sendo que um deles é cuidar de uma criança chamada Briar.  

Emira não vê problema nenhum ao trabalhar como babá. Ela recebe relativamente bem para o cargo e a criança é adorável e esperta então está tudo certo até que sua empregadora solicita que ela faça um extra de emergência a noite pois os pais da criança precisam resolver um problema em casa. 
Emira estava na festa de aniversário de uma amiga, com roupas específicas para uma festa jovem, mas o extra é um bom dinheiro então ela resolver ir ao socorro Alix, a mãe solicitante. 

A tarefa é até bem simples: levar Briar num mercado e passar uns minutos com ela por lá até os pais resolverem a situação em casa. Emira vai acompanhada de uma amiga e levam a garotinha para passear no mercado, como solicitado pelos pais.
Acontece que Emira é uma mulher negra e, bem, não é estranho uma mulher negra com uma criança branca num supermercado tarde da noite?! Talvez... para racistas. 
Emira chama atenção de uma mulher branca, que chama o segurança branco que faz uma abordagem terrível com mais acusações do que questionamentos educados.
Um rapaz que estava no mercado registra tudo em vídeo pelo celular para um eventual problema grave, mas Emira só quer paz e manter a pequena Brair segura. 
Claro que ela liga para os pais da criança que vai ao socorro delas e tudo é ~resolvido~, porém as marcas que essa situação deixam em Emira vão criar consequências ao longo de toda a história de "Na corda bamba". 

Essa obra é interessante de várias formas porque aborda o cotidiano de uma mulher negra cercada por pessoas brancas de uma forma bem verossímel. Devo atentar que podemos fazer uma analise não apenas da perspectiva racial, mas também da de classe. Gente rica e branca pode se achar o suprassumo do bom senso mas acontece que não raro possuem muito daquele racismo cordial, passivo-agressivo, que tomam lugar de fala. 

"Na corda bamba" é uma obra simples à primeira vista mas que tem mensagens complexas e profundas para olhares mais atentos.  Alix e Kelley, por exemplo, são personagens brancos que praticamente reivindicam tanto o protagonismo para as questões de Emira que acabam, de certa forma, aparecendo mais que a própria protagonista. Grande parte da história é sobre Alix e suas complexidades, sua vontade de acertar, sua necessidade de mostrar que não é racista, pois tem até amigos que são e, poxa, ela faz questão de tratar a babá como se fosse da família. Kelley só quer ajudar aquela mulher negra que está sendo acusada injustamente pois sua rede de amigos é formada por pessoas negras, além de claro, ele só namorar mulheres negras. Apesar de na superfície não ter nada de errado com eles, com uma leitura mais atenta a gente percebe que essa necessidade de aprovação, esse fetiche de ser visto como um exemplo de progressismo diz muito mais sobre eles do que sobre a própria vivência de quem eles, em tese, querem proteger, além de expor muito dessa estrutura racista onde nossas bases são postas. 

Tem um trecho particularmente interessante entre esses dois personagens onde eles, em tese, discutem o que seria melhor para Emira evidenciando a importância de serem não-racistas e ao final Alex conclui com um "qual de nós é o menos racista?" Cirúrgico. 

Kiley Reid foi tão perspicaz no enredo e na narrativa desta obra que eu a concluí com sentimentos complexos, sabe. É o retrato da sociedade que vivemos em um estudo de caso (só que ficcional). 
E olha que é o seu romance de estreia!
"Na corda bamba" definitivamente é uma obra que vale a pena ser lida e conhecida. 
Espero que a Editora Arqueiro e outras editoras do mercado continuem trazendo essas obras diversas e relevantes para nós. 

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Assistente social apaixonada por livros. Militante da transformação social através da literatura.

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