#Diferentona 08 - Ensaio sobre a cegueira - José Saramago

Título:
Ensaio sobre a cegueira
Autor: 
José Saramago
Editora:
Companhia das Letras



Uma terrível "treva branca" vai deixando cegos, um a um, os habitantes de uma cidade. Com essa fantasia aterradora, Saramago nos obriga fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu.
Um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma "treva branca" que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos se perceberão reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.
O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti. Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".

A coluna Diferentona voltou nesta semana delicada que a população mundial está vivendo com uma indicação de livro que é dolorosamente verossímil e bem próxima da realidade em que estamos vivendo, se estivermos dispostos a trabalhar com metáforas.  

José Saramago é vencedor do Nobel de Literatura em 1998 e alguns de nós, que fizemos vestibular há anos atrás, podem conhecê-lo pelas leituras obrigatórias de "Objecto quase" e "Embargo".
O autor é conhecido e reconhecido por sua narrativa fora do comum, sem pontuações ou indicações de diálogos. No começo pode ser um pouco complicado mas eu garanto que se pega o ritmo quando se menos espera pois suas histórias tem um quê de aflitivas. Talvez a própria narrativa impulsione tal aflição. 

"Ensaio sobre a cegueira" se incia, vejam só, com uma pandemia. 
E esta pandemia é totalmente incomum pois trata-se de uma treva branca. Ela vem sem aviso nenhum e ninguém consegue explicar nada sobre ela. Sabe-se, apenas, que é rápida e provavelmente o contágio se dá pela aproximação do contaminado pela cegueira. 

O livro se inicia com um homem que perde a visão enquanto está em seu carro, parado no semáforo. Após, uma pessoa sugere que vai lhe ajudar, no entanto, é apenas um ladrão que quer roubar seu carro. 
Quando consegue chegar em casa, sua mulher o leva até um oftalmologista que garante não haver nada de errado clinicamente. Na sala de espera desse médico estavam aguardando um menino estrábico com sua mãe, uma mulher de óculos escuros que estava com conjuntivite e um velho com uma venda preta para consultar sobre uma catarata. 
No dia seguinte, a maioria ficaria cego, cada um à sua maneira e em seu tempo. 

No dia seguinte, quando notificado às autoridades sanitárias sobre essa nova doença desconhecida, o governo atenta para a seriedade do caso e decide isolar os cegos em um antigo manicômio para tentar conter a treva branca para a sociedade. 
A mulher do médico decide ir com ele mesmo não estando cega e, após mentir para as autoridades que foram buscá-lo, ambos são levados ao que será uma experiência intensa sobre como a civilidade humana é frágil frente ao desconhecido, ao desconfortável. Basta um desafio que fique fora do nosso controle para nos transformarmos em animais, para fazer da vivência social uma barbárie.  

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Durante o nosso tempo de pandemia do novo coronavírus também temos desafios desconhecidos e desconfortáveis para encarar e, sim, a raça humana já flerta com o animalesco ao alguns admitirem que morram 7 ou 8 mil pessoas em prol da economia. 
E temos dados, conhecimentos e ciência para garantir um minimo de proteção pessoal e social nesse momento. Imaginem lidar com algo totalmente obscuro que atinge o mundo inteiro. 

José Saramago nos traz um ensaio de como é fácil ser corruptível e como nosso modelo de sociedade é fragilizado pelo inevitável, o desconhecido. E como é cruel visualizar pequenos indícios desse terror na vida real. 

Além da narrativa única, Saramago também costuma não nomear seus personagens. Em algumas obras ele até os desumaniza. 
Em "Ensaio sobre a cegueira" nem um personagem tem nome. O leitor os reconhece como: o primeiro cego, a mulher do primeiro cedo, o velho de venda preta, a rapariga de óculos escuros, o médico, a mulher do médico, o menino estrábico e etc. 
Apesar do pouco esforço para trazer um elo pessoal convencional, somos arrebatados para aquele terrível mundo de treva branca e criamos elos com essas pessoas que nem sabemos o nome. 

Há uma adaptação para os cinemas e esse post poderia muito bem ser um "Na Tela" também, no entanto, o filme é tão fiel ao livro que eu teria pouco a colaborar. 
O filme é aterrador também e vale muito a pena assistir. A direção é do brasileiro Fernando Meireles. 

"Ensaio sobre a cegueira" uma obra importante para a literatura portuguesa e mundial e em tempos de pandemia uma ótima leitura para reflexão.
Indico demais! 

Assistente social apaixonada por livros. Militante da transformação social através da literatura.

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