Eu Li: O Sorriso da Hiena - Gustavo Ávila

Título:
O sorriso da hiena
Autor:
Gustavo Ávila
Editora:
Verus
Ano:
2017 
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É possível justificar o mal quando há a intenção de fazer o bem?
Atormentado por achar que não faz o suficiente para tornar o mundo um lugar melhor, William, um respeitado psicólogo infantil, tem a chance de realizar um estudo que pode ajudar a entender o desenvolvimento da maldade humana.
Porém a proposta, feita pelo misterioso David, coloca o psicólogo diante de um complexo dilema moral. Para saber se é um homem cruel por ter testemunhado o brutal assassinato de seus pais quando tinha apenas oito anos, David planeja repetir com outras famílias o mesmo que aconteceu com a sua, dando a William a chance de acompanhar o crescimento das crianças órfãs e descobrir a influência desse trauma no crescimento delas.
Mas até onde William será capaz de ir para atingir seus objetivos?
Em O sorriso da hiena, Gustavo Ávila cria uma trama complexa de suspense e jogos psicológicos, em uma história que vai manter o leitor fisgado até a última página enquanto acompanha o detetive Artur Veiga nas investigações para desvendar essa série de crimes que está aterrorizando a cidade.



Quem me acompanhou nos últimos posts, já percebeu que fui tomada por uma onda de leitura de livros policiais, suspenses psicológicos, thrillers, e tudo que envolve esse universo. Desde que li Flores partidas fiquei viciada e criei cada vez mais afinidade com o gênero. Finalmente li o tão elogiado O sorriso da hiena, de autor nacional, vale ressaltar, e que não deixou a desejar em nenhum ponto para os autores gringos, na minha opinião.

Esse livro conta a história de David, agora um homem, que viu seus pais sendo brutalmente assassinados quando tinha apenas oito anos. O assassino dos pais de David teve uma forma característica de conduzir o crime: amarrou o pais do menino cada um em uma cadeira colocadas lado a lado, amarrou a criança em uma cadeira de frente para o casal, cortou a língua do pai dizendo a frase "Ninguém gosta de linguarudos", deu um tiro na cabeça da mãe, e antes de ir embora com os corpos, colocou um casaco na criança para que ela não sentisse frio. 

O livro também conta a história de William, um psicólogo infantil, que ganhou fama depois de sua tese de doutorado intitulada "Como se tornam adultos". Ele pesquisou casos de crianças que viveram alguma situação dolorosa, e a relevância de eventos violentos no desenvolvimento de estresse pós-traumático e como isso seria capaz de moldar o caráter de alguém durante o seu processo de crescimento. Mas o psicólogo sempre achou que faltava alguma coisa. Faltava a vivência, faltava ele acompanhar casos de perto pra conseguir respaldar melhor sua pesquisa.

William tivera pouco contato pessoal com os casos descritos no trabalho. O tema da tese não facilitava. Ninguém que tivesse passado por problemas tão sérios na infância se mostra solícito em reviver sua história, enterrada embaixo de camadas e mais camadas de sessões de terapia.

Outro personagem fundamental na história é Artur, um detetive com uma personalidade muito singular. Ele possui síndrome de Asperger, um tipo de autismo que não causa nenhum atraso no desenvolvimento intelectual, mas molda a pessoa com certas peculiaridades. Ele acaba de entrar em um caso que aparentemente é um assassinato. Um casal foi morto, uma língua foi encontrada no local do crime, assim como duas cadeiras lado a lado vazias, e uma criança de oito anos amarrada à outra cadeira de frente para as outras, com um casaco colocado nela. Parece familiar?

E é a partir desse caso que a vida desses homens se conecta. A criança filha do casal assassinado é Marcelo, e ele vai passar a ter acompanhamento psicológico com William. Enquanto Artur quer dar um rosto ao assassino e solucionar o caso, William vê uma oportunidade de encontrar as respostas que sempre procurou e ajudar aquela criança. Mas e o David? Bem, David quer dar a William a oportunidade de finalizar seu estudo com maestria. Para isso ele entra em contato por e-mail com o psicólogo e depois de algumas conversas sem revelar as suas reais intensões ele sugere que ele use os assassinatos que David ainda irá cometer para esse fim. 

Eu já fui uma criança como uma dessas duas crianças. Inocente, indefeso, cheia de expectativas com a vida. até conhecer a natureza cruel do ser humano. Eu vi os meus pais sendo mortos na minha frente. E eu vi tudo amarrado a uma cadeira, sem poder gritar, sem poder fazer nada. Nada!

Por aí vocês conseguem ter uma ideia do quão intenso esse livro é. Confesso que, pra mim, não foi uma leitura fácil. Apesar de estar habituada a todo o cenário que livros desse gênero trazem, esse foi diferente de tudo que já li. Vai muito além de solucionar um crime, de encontrar um assassino, até porque desde o início do livro nós já sabemos quem é. O que torna essa trama tão diferente é justamente a abordagem de personalidade e moral de cada personagem. O autor nos dá essa percepção tão ricamente que é como se estivéssemos vivendo com cada um deles. 

Eu não consegui ter raiva do David, por trás de tudo que fez ele conseguia ter uma explicação que parecia muito lógica e coerente. Ele queria saber a origem do seu comportamento. Será que o trauma que viveu na infância, e todos os eventos que sucederam esse trauma, o tornaram um monstro? Ele precisava ter uma resposta, e via em William a chance de tê-la. Ao longo da leitura conseguimos perceber claramente os conflitos pelos quais o psicólogo é atingido, e como a sua ética e moral são colocadas em cheque depois que ele recebe a proposta.  

Ao longo da investigação comandada por Artur, conseguimos compreender um pouquinho de como a síndrome que ele possui influência na sua interação e julgamento das pessoas. Ele é um personagem sensacional e o ótimo trabalho de pesquisa do autor é refletido na construção do detetive. Seu humor é singular, e a sinceridade com a qual lida com o mundo é uma particularidade que me fez gostar ainda mais dele. 

Muitas coisas aparecem no meio da trama aparentando ser algo avulso, e na hora que li fiquei bem confusa, como se fosse uma parte inserida aleatoriamente, mas no final tudo se explica e nada, absolutamente nada fica pra trás. Eu ainda estou em estado de choque com o desfecho, eu queria chorar, gritar, bater no autor (Desculpa, Gustavo), mas eu só consegui ficar olhando pro livro fechado, tentando entender o que aconteceu. Um conselho: tenham alguém pra conversar sobre o livro depois que lerem. Vocês vão precisar de alguém pra surtar junto, acreditem em mim.

Um questionamento que surgiu ao longo da leitura foi: Por que "O sorriso da hiena"? O que isso tem a ver com a história? Bem, no final do livro tem uma cena que, pra mim, foi uma das melhores, e que dá vida ao título do livro. Inclusive, durante toda a leitura eu pensei "Preciso de um filme desse livro! Preciso ver tudo acontecendo. Preciso tornar tudo que eu imaginei mais palpável".

- Um sorriso nem sempre quer dizer algo bom, detetive. Isso me lembra uma coisa. Um dia assisti a um documentário, um desses sobre natureza selvagem. Os pesquisadores estavam tentando desvendar o motivo dos sons emitidos pelas hienas. A maioria das pessoas acha que aquele som é uma risada, mas os pesquisadores chegaram à conclusão de que as hienas de menor posição hierárquica do grupo, hienas dominadas, hienas frustadas, emitiam mais alto esse som de 'risada' - desenhou aspas no ar com os dedos.- às vezes damos a impressão de que gostamos de alguma coisa, quando na verdade só estamos com medo, dor, fome. Não tem nada de engraçado em ser um animal carniceiro que se alimenta do que sobrou dos mortos.

E é com esse trecho que eu encerro essa resenha. Pra deixá-los curiosos sobre a mensagem que esse livro traz. Quero dizer que foi o melhor livro que li em 2018, até então, e que, com certeza, vou ler os próximos livros do autor. Gustavo Ávila foi brilhante na narrativa, na pesquisa, na construção e fechamento dessa história sensacional.

5++++++++++++++++++++

Samara Barroso é formada em Ciências Biológicas e é apaixonada pela natureza, principalmente por morcegos. Colecionadora de Funkos e canecas, viciada em séries, ama ler, e vê nos livros uma oportunidade de viajar, explorar novos universos, fazer novas amizades e a cada leitura consegue se conhecer um pouco mais. Thrillers psicológicos se tornaram sua paixão, mas adora romances, e tem uma estranha fixação em ler diários.

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